COVID-19 e a necessidade de medidas excecionais e temporárias também para o ensino em contexto prisional

Carta aberta aos Ministros da Educação e da Justiça

 

Exmos Senhores Ministros,

Em virtude da atual situação pandémica causada pelo Covid-19, que em Portugal conduziu à declaração do Estado de Emergência e que obrigou à adoção de medidas excecionais e temporárias dirigidas aos vários setores da sociedade, em particular ao setor da Educação, vem, por este meio, a Associação Portuguesa de Educação nas Prisões (APEnP), instituição afiliada da European Prison Education Association (EPEA) – organização com assento no Conselho da Europa –, solicitar a V.as Ex.as o seguinte:

Um pouco por toda a Europa, atividades tendentes à efetivação do processo de Educação nas Prisões (EnP), no cumprimento das Recomendações do Conselho da Europa [Rec(89)12], têm vindo a ser alvo de alguma resistência por parte de organismos com responsabilidades nesta matéria. Para o efeito, a EPEA tem promovido um conjunto de iniciativas, que têm contado com o apoio e colaboração de diversos organismos a nível europeu, dos quais se destacam, EBSN (UE), FOKO (Noruega), FLF (Dinamarca), IPEA (Irlanda), Hellas branch (Grécia) e, obviamente, a APEnP (Portugal), visando auscultar os professores/formadores em contexto prisional no espaço Europeu, de modo a aferir da sua concretização.

Com base neste pressuposto, no passado dia 6 de abril, foi enviada, pela EPEA, uma carta por email a diversas entidades com jurisdição nesta área – para Portugal, foram seus destinatários os Ministérios da Educação, Justiça e Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (ver em: www.epea.org) – contendo um conjunto de ideias, sugestões, propostas sobre EnP, entre as quais se destaca uma proposta de Educação a Distância nos Estabelecimentos Prisionais (EPs), simultaneamente solicitando aos responsáveis de cada país particular atenção para que este processo possa ser adaptado às contingências atuais e que, no quadro organizacional das instituições envolvidas, possam ser encontradas estratégias adequadas que permitam a concretização de um tal propósito.

No plano nacional, as orientações da Agência Nacional para a Qualificação e o Ensino Profissional (ANQEP) remetidas, a 18 de março, às entidades que promovem programas de Educação e Formação de Adultos, são omissas quanto ao contexto prisional. Por conseguinte, à APEnP têm chegado várias preocupações/solicitações, por parte de professores/formadores questionando-nos sobre como se processará a EnP no período atual.

Com o 3º Período a iniciar-se, medidas que garantam o recurso a estratégias direcionadas aos nossos homens e mulheres em situação de reclusão são necessárias, de modo a que, com base no presente quadro, possa ser assegurada a normalidade possível de programas de educação/formação nas nossas prisões.

Alertamos, por isso, V.as Ex.as para o facto de muitos alunos/formandos se encontrarem em fase de desenvolvimento ou, mesmo até, próximo de concluírem o seu percurso de qualificação, correndo o risco de, a continuar a presente situação, saírem em liberdade sem a sua conclusão.

Por experiência nesta área, sabemos que, uma vez cá fora, e que pelas mais diversas circunstâncias das suas vidas pessoal/profissional, dificilmente continuarão ou concluirão um tal processo, deitando a perder todo um percurso até então efetuado, quer por si, quer por professores/formadores, quer pelas instituições envolvidas, quer pelo próprio país, que investiu na sua formação de modo a potenciar a sua reinserção.

Propomos, assim, algumas sugestões e iniciativas que visam contribuir para a sua continuidade:

1. A utilização das novas tecnologias, de forma segura e controlada, tendo por base condições e recursos das instituições que as promovem: o intercâmbio, que tão bons frutos tem surtido, quer com instituições de Ensino Superior, quer com as Escolas Associadas, poderá servir como facilitador de propostas seguras e eficazes a um tal desiderato (vários são os exemplos de projetos credíveis, desenvolvidos neste campo do conhecimento a nível nacional e internacional).

2. O recurso a materiais pedagógicos em suporte de papel, poderá ser uma outra estratégia a implementar. Neste pressuposto, poderão os Estabelecimentos Prisionais em conjunto com as Escolas Associadas, articular um modo de atuação, de forma a que se estabeleçam regras e procedimentos tendentes à efetivação de todo o processo, podendo estas cumprir o roteiro que se propõe:

i. Envio antecipado de propostas de trabalho ao responsável pela formação em cada EP (contendo instruções claras sobre a realização das tarefas), para entrega aos formandos.

ii. Posterior recolha para aferição do trabalho realizado.

iii. Feedback aos alunos/formandos pela mesma via.

Ainda no âmbito das orientações da ANQEP de 18 de março (atinentes ao desenvolvimento de modalidades de qualificação de adultos a distância), citadas supra, propõe, ainda, a APEnP que este tempo de trabalho seja contabilizado como tempo de formação.

Por fim, e por estarmos convictos que o capital de experiência e de conhecimento acumulado entre Estabelecimentos Prisionais e Escolas Associadas, poderá assumir papel decisivo no sucesso desta iniciativa, solicitamos a V.as Ex.as que, no exercício de V/ competências, tudo façam de modo a garantir que as medidas de proteção essenciais para ultrapassar esta fase, não excluam a possibilidade de estudo à população reclusa.

Resta-nos acrescentar que a APEnP se encontra disponível para prestar toda a colaboração, que entendam por necessária.

Creiam-nos ao dispor.

Cordialmente,

Portugal, 14 de abril de 2020

Associação Portuguesa de Educação nas Prisões

Associação Portuguesa de Educação nas Prisões
Departamento de Educação e Psicologia
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